sexta-feira, 27 de abril de 2012

Primeiro desmaio


Anoto recados, afazeres e prazeres
Estou desbotado em todos eles
Me noto homem feito. De quê?
Derrotas, bancarrotas e anedotas

Rio sem porquê, não sinto frio
Visto uma couraça terracota
Quero a meninota em gotas
Quero o abraço amarrotado

Saboto obrigações na sexta
Com Oto ensaio no sábado
O feriado é do trabalhador
Eu trabalho bem trabalhado

Não tem garota, ela ou outra
Lembro. Trampará na vacação
Será que trepa com outro?
Desboco, invoco, dou o troco

Boto meu bloco na rua, me toco
Meu bloco de notas virou poema
mais umas notas e faço canção

Me canso, percebo a patologia
Sai no jornal do dia primeiro:
"Homem desmaia e morre: Sofria de poesia."

quinta-feira, 26 de abril de 2012

Mães e filhos


Os poetas sem mãe são mais felizes
Numa das mãos um tanto de liberdade
noutra um quebranto de dor
Quem sabe, de tudo vazias
mas sempre munidas de poesia

As mães são cruéis censores
Perto, longe, despertas, ressonando
Moldam o pensar dos poetinhas
Bocage decerto não tinha mãe
Bilac que mamãezona teria!

As mãezinhas não fazem por mal
É da essência, instinto puro
Não querem sua cria em apuros
Por isso cuidado poeta
ao insuflar sua estética

Não mate a mamãe de susto
Evite palavrões acadêmicos
nem ouse se dizer marginal
Assim madrecita cai no choro
imagina o filhote no xilindró

Oiticica apanhou de Parangolé
Mainha pôs geni na marginália
e então armou-se a arenga
Arcou com ditadura e cicratizes
Poeta feliz? Que nada!
Cazuza acertou na pedrada:
"Só as mães são felizes"

terça-feira, 24 de abril de 2012

À três


O acaso faz com que essas duas que a sorte sempre separou, se cruzem pela mesma rua olhando-se com a mesma dor.

Chico Buarque de Hollanda


Ando às voltas com as duas novamente. Gosto de ambas, mas não posso afirmar se é recíproco. Poderiam ser irmãs a julgar pelo biótipo – do qual particularmente sou entusiasta – e pela semelhança nos nomes. Uma mais velha, outra mais nova. Fosse assim, Nelson Rodrigues teria um prato cheio conosco. Seríamos a perfeita e real releitura de A serpente nos palcos do hoje em dia. A grande diferença entre as amantes siamesas? Com uma, fato consumado. Com a outra, futuro postergado. Uma é a do copo de boteco, do sarro, desgarro e sacanagem no carro. Outra é da taça de vinho, dos planos, do ‘se eu não me engano’, dúvidas, conquista à duras penas, conversas e chamegos à boca pequena. Carinho é pras duas. Tesão, música e poesia também. Se com uma esvazio, a outra me preenche. E vice-versa, verso e prosa. Se eu minto pra elas? Não preciso. Tudo é extraoficial porém oficioso. Aprendi que paixão quando é muito formal estraga. Ao leitor desavisado não me pinte como um crápula ou machão a moda antiga que faz a pequena indefesa chorar. Não. Mulher hoje em dia não sofre. Pinta a boca, põe uma renda mínima e dá o troco. Acredite, se eu faço às escondidas, as boas moças já fizeram na minha cara, sem cerimônia e me usando de estofado confortável pra deleite com outro malandro. Sim mulheres, eu mereço, esbravejem. Sim homens, elas também merecem, retruquem. Digam o que quiserem, mas pra mim é tudo lindo. Sem cobrança, briga, destempero, arruaça, desconfiança, angústia ou dissabor. Muito pelo contrário, nos saboreamos o suficiente pra saber o quanto é bom. Quando fica chato nos afastamos. Paixão tipo doce. Se comer demais enjoa e engorda, aí dá um tempo, a boca amarga e lembramos como é bom adoçar a vida. Pois é, conosco é assim. O presente é o presente trocado a cada encontro. Sem juras de amor, fidelidade, ‘era uma vez’ ou ‘felizes para sempre’. Outros tempos, bom amigo. Quer amor, sexo, carinho e atenção? “Compartilhe e terás. Curta e seja curtido”. Diz o evangelho de Jobs segundo Zuckerberg. Sobre nós três? Sim, todo doce é perecível e pode ser que as formigas devorem nosso bem querer. Mas não se surpreendam se virem pelas ruas do amanhã três velhotes bem sacanas, convivendo entre diabos e diabetes e checando de hora em hora o nível da glicose de paixão no sangue.




Umas e outras - Chico Buarque

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Hiato


Não há folha em branco, nem alforria.
Há hiato. No vento, no tempo, no ato.
Pontos em sequência, final, reticências.
Ponto. Parágrafo. Pronto. Escrevo-me.

Resumo-me.  Não quero mas tenho.
Vou e venho. Você vai sem vir.
Rasgo a tela. Não há folha, lembra?
Tenho que ir. Mais um pouco? Fico.

Fica comigo? Não. Café? Sem açúcar.
Se crucifica comigo? Sim. Se dói?
Três dias no máximo. É o máximo!
Depois ressuscita, súbito, solene.

Sim, suscita mais texto. Meu pretexto.
Pra quê? Pra crucificar algo mais.
Não dou ponto sem nó, dizia vovó.
Poema é problema. Queria um conto.

Não há tempo. Depois eu conto. Há temporal.
Atemporal? Não. Sangra sim. Logo sara.
Onde? Na têmpora. Fica perto do pensar.
Perto de ti agora. Embora não queira, fui. Sorri.

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Não conto


                                                            pronto o conto


      não pergunte o tema


trema e ponto