domingo, 1 de dezembro de 2013

Reclame

que a valsa portuguesa
não seja a trilha sonora
da despedida sempiterna
para ser a ternura o
presente mais caro entre nós
não papietemos uma máscara
com outra pele em nossas faces
em nossos facebooks
sem truques, traques, trapaças
carapaças ou carapuças
que nos sirvam
comida e amor quentes
conversas em fogo brando
bebidas estupidamente geladas
cabeças inteligentemente frias
versos e carinhos frescos
que sirvamos um ao outro e sempre
que eu te pegue pela mão
que não te tires de mim
nem pra sarro, nem cigarro
pra minh'alma permanecer
incólume à inocência tua
onde a excitação clame
por nossas vidas nuas

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Pra viagem

o chão passa sob mim
em alta velocidade
o tempo é lento
retas são descaminhos
curvas te escondem
paro em acostamentos
de lembranças e piche
placas indicam
distância é lugar
uma cidadela mental
construída em passagem
edifício de nadas
sem andares ou recepção
uma cobra autofágica
existe ao destruir-se
possui olhos ferinos
miram no horizonte
outro lugar de morada
outro olhar confortante
no fim dessa autoestrada
uma cidade maior que existe
no abraço da mulher amada

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

coming soon

hoje
o ontem
é eterno amanhã
a ausência é presente
a multidão é uma saudade só
em meu tórax-continente
cabem duas cidades
você Rio, eu ilha
rodeado de prantos
por todos os lados
desafio o espaço
embaraço sonho-viagem-real
cheiro carne
como terra
bebo flores
fumo ideias
num cigarro de ciúmes
tudo pela vez premiére
numa existência de estreias
de vida longa, curta, média
hors concours
onde o tempo que te leva
te traga leve
em breve

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

saldo saudoso

tenho entupido
o nariz de transparências
o estômago de cogumelices
o coração de corações

torcido
o pescoço de olhares
os joelhos de dormência
o cérebro de lucubrações

queimado
a ponta da língua nua
falangetas em buliços íntimos
obrigados, senões e desculpas

marcado
o corpo com tuas unhas
os olhos de sentimentos
a vida de carolismos








terça-feira, 24 de setembro de 2013

há dois

amor é entre
sem início e fim
um meio
vão de paralela
vai pela vida
olha a janela
vazio que preenche
maré de dois
(meses)
mar, rio, gente
sinal amarelo
entre o vermelho paixão
e a liberdade verde
ponto de solda líquido
tessitura do elo
obra no prelo
boca ante o beijo
doce ante o farelo
um passo cá, outro lá
amar é linha
um coração que pula
entre o céu e a terra

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Recanto

Beija-me tu, transbordo eu
Lapido-te em taça num sopro
Preencho-te com suor, sal, saliva
Derramo-me em vinho e letras

Gotejo-te os lábios, mente, a boca
com a água do corpo, do banho
são vogais, pasmos e espasmos
nos músculos, mucos e músicas

Escrevo-me em ti, retinto-me
Borro a pele tua pelo avesso
Entranho-me sem estranhar-te

Encontro-me em teu labirinto
Sem almejar nenhuma saída
Sou-te em todos os cantos

sexta-feira, 26 de julho de 2013

Teaser trailer

Partistes pela manhã
sem caracteres ascendentes
ou ares de the end.
Assisto em consequência
o que teu corpo produziu:
Carícias, olhares, sons,
partituras repartidas,
partes tuas, melodias
dedilhadas no violão,
na pele, dentes e pêlos,
odores compartilhados
acordes de ti, si, sol, nós,
tensão em cordas de aço,
entrâncias de carne e café.
Tudo o que é provocação.
Tríades, tetrádes, tatuagens,
aquele terceiro maldito sinal,
cortina americana entreaberta,
o primeiro ato em um palco nu,
créditos iniciais, take one
e uma projeção sem fim no fim
da parede do meu quarto resfriado.

quarta-feira, 10 de julho de 2013

aqui jazz

noite dessas de frio e jazz
jazerá nosso orgulho
haverá reencontro
novidades do passado
lembranças no presente
futuro no futuro
um de nós tocará no assunto
outro no copo cheio
os dois as mãos
estes no copo pela metade
os mesmos no cigarro
algum na alma
alguém no copo vazio
outrém na carteira
aqueles na consciência
eles o toque de recolher
ele o violão
ela o novo livro de cabeceira
tu em mim
eu em vós
nós em nós
finda a bebedeira
efervesce a enxaqueca
sonridor
dois sorrisos
um colchão

segunda-feira, 1 de abril de 2013

sem (bem) querer


pra enganar a carência
altere a foto, o perfil
receba algumas cantadas
arquive vários elogios

confirme a própria beleza
em homens que falam demais
disfarce a sútil futileza
fazendo de si um cartaz

e então armazene o carinho
fingindo quase nada querer
terás a teus pés uma horda
de hormônios num ciclo privê

mas cale essa boca agora
com beijos, sem reclamações
mulher que renega quereres
merece ao deitar solidão

terça-feira, 12 de março de 2013

URA da lou(cura)


escrever com caneta sem tinta
parar o carro no sinal verde
filme de Buñuel
peça de Ionesco
enriquecer sem grana
adormecer em pé na cama
deitar no chão da rua
vestir-se de nua
fumar o que é líquido
beber o sólido
cheirar palavras
comer imagens
ouvir paladares
ler olhares
intransitar memórias
transar ideias
ejacular sentimentos
revirginar a alma
desarmar o rancor
armar o amor
amar a folha em branco
virar a página
trair o nexo
anexar o momento
viver por um documento
documentar o tormento
só um momento, senhor
sem sequer ter tempo
mais um momento, senhor
se livre e intenso
mutar a linha
manter a linha
desligar a razão
religar a religião
redescobrir a ciência

só mente
sozinho
na fórmula das equivalências
em nossos emes
emeceaoquadrado
Aquário simbolizado
terminar fidelizado

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Servidão


A janela do meu quarto
dá pros lados de um beco
sem saída
com entrada
pro futuro
para os músicos
que carregam em suas costas
instrumentos, acordes e sonhos

piso em seus paralelepípedos
almejando que notas musicais
libertem-se
da pedra
da sujeira
da imobilidade
das cores mórbidas
do horror do trabalho forçado
de ser para sempre e apenas, chão

mas todo dia ignoram-me
toco apenas o silêncio
aprendo que, na verdade, as pedras
é que me tocam,
castigam,
ríspidas, impiedosas
forçam-me os joelhos
trazendo a dor em uma bandeja
operárias da morte
como tudo e todos
conduzindo ao grande templo rosa
onde acotuvelam-se Mozart, Bach e Vivaldi

numa madrugada qualquer
eu ainda dou o troco neste beco metido
tomarei todos os tragos
com o dinheiro dos amigos
e numa das quatro estações
entediado e bêbado
tombo sem noção de equilíbrio
e miro um novo projeto de existência
serei eu também o chão

e, juro a estas pedras safadas
se só então fizerem música
eu de propósito - e puto
vou cagá-las com o meu sangue
pra provar a diferença
entre o homem e a matéria
humanos,
mesmo imóveis,
vingam-se

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Ímpar


       Do alto de seus três anos, já ensinara mais a ele que qualquer catedrático. É por ela, e somente por ela, que angaria forças para levar uma vida mais salutar (ou menos degradante). Depois que seus olhos finalmente a encontraram, passou a associar qualquer aspecto mundano - perigos, alegrias, clima, economia - à sua existência. Por esta razão, o noticiário dia após dia parece configurar um verdadeiro instrumento de preocupação e paranoia crônica àquele que outrora era tão somente um esboço de artista decadente. Sente-se hoje como um jovem senhor que olha por todos os retrovisores da vida antevendo catástrofes a fim de protegê-la. Frustra-se por não ser um herói da DC Comics que breca meteoritos, terroristas locais ou mesmo ícones de poder em sua proteção e honra. Teme que os anos de separação forçada matem o amor dela por ele. Ainda que algo no seu baú de pensamentos revirados pareça lhe sugerir o contrário. Que em breve a menina lhe ensinará a mexer na então mais recente maravilha tecnológica. Teme ainda mais os que dele a privam em nome da boa vontade. Sabe que, como dito numa paráfrase à Blaise Pascal: "Nunca se faz tão perfeitamente o mal como quando se faz de boa vontade”. Porém não é o cunho pessoal, social, político ou jurídico que o preocupa neste caso. É uma questão que pertence apenas ao campo da saudade. Nada nostálgica e que beira quase a um novo tipo de sentimento. Uma saudade do futuro ou de um tempo suspenso no tempo. Tempo em que ouviria a recente vozinha balbuciar seu envelhecido nome. Em que um corriqueiro calor febril o desmontaria. Um lindo sorriso desdentado iluminaria um dia ruim. A dor e a delícia do tempo é que sempre há tempo. Em que passando trará novas emoções, saudades e descobertas e que, em cada uma delas, sempre se reconhecerá naquele rosto feminino. Assim, o aniversário é uma boa data. A cada novo giro em torno de seu Sol ela abre portas para se tornar uma grande mulher. E ele, a cada ano pega carona no crescimento pessoal dela para se tornar um homem melhor. Seja na sua atual ausência ou em pretensa presença. Tudo é tempo. Que revelará se ele será forte ou fraco, covarde ou corajoso, paciente ou cruel. E se ela, carinhosa ou indiferente, passional ou prudente, consciente ou alienada. Por ora, resta-lhe desejar que o mundo revele-se colorido, brincante e inofensivo, que a saúde esteja forte, a beleza infinita e que a festa – da qual ele talvez nunca seja convidado – seja doce e boa! Que o capítulo três seja tão ímpar quanto ela.

Para meu amor maior, Manu. Parabéns!

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

R.E.M.


a insônia é uma dama
ébria, louca e linda
chega da rua faminta
por carne e palavras

propõe singelas trocas
das noites por manhãs
do sono pela vigília
da penumbra pela luz

atiça meu eu-onírico
pôs-me você no sonho
te vi nua como nunca
perfeita como sempre

feliz como te almejo
banhava-se com outro
a insônia é o alarme
de acordar realidades

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Lucky


trago o habitual cigarro
vejo o amor na fumaça
tão leve quanto letal
num sopro vai pelo ar

principia como o fogo
arde ao sugar a vida
acaba torto em cinzas
vicia sem nem avisar

na caixa nos advertem
fumar causa sofrimento
tristeza, dor e morte
amar causa a indústria

incita-nos o isqueiro
abarrota os cinzeiros
vai um, vem o próximo
amor é apenas cigarro

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Rio


há entre nós um rio
de janeiro, capital
não verte água doce
está cheio de vazio

não é o rio de riso
margeia a desilusão
sem o curso preciso
demarca a distância

é uma veia dolorida
agitada, pululante
que o poeta bombeia
no coração de tinta

tem na foz a emoção
alarga-se dia a dia
quer ser rio-oceano
separando o tu e eu

Blackout


O ator é um fugitivo
Corre para as coxias
Abandona personas
Máscaras, mentiras

Deixa nu o proscênio
Eis o fim da ilusão,
do tormento em show
Cai o pano, sobe a vida

Nada lhe pertenceu
Despe-se do figurino
Põe um trapo qualquer
Desmonta o cenário

Arranca sua juventude
com algodão embebido
Frente ao velho espelho
mostra suas cicatrizes

Engenheiro sentimental
Calcula todos friamente
Paixão, ódio, desamor
No fim, resta-lhe o medo

Falseará uma vez mais?
Responderá as deixas?
Pagarão em cachê ou queixas?
Aplaudirão sinceros ou forçosos?

Repentinamente trevas, blackout
Silêncio de perfurar os ouvidos
Um exército de cadeiras revela-se
Imóveis, críticas, rigídas, blasés

Debulha em suor no tablado
Sente o corte no pé direito
Tudo não passou de um ensaio
Textos no palco, cenas na vida