quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Poeminha do aceite (ou açoite)

Calma... Calma... Não é nada.
Se a palavra já não diz, não é nada.
O som não se ouve? Não é nada.
A sede é insaciável, a tinta não colore, o vento não refresca.
O quente, amornou.
O que antes sentido, hoje cala.
Não é nada.
Não é.
Não.
Nada não...

Desterro, 03 de outubro de 2008.

Não enche - Caetano Veloso


sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Eleição X Eles são

Acredito que em épocas eleitoreras o que fica de mais importante é a observância ao pluralismo de idéias e as discussões decorrentes de tal fato. Hoje em dia é lugar comum falas do tipo: "Este momento de debate é importante para a democracia seja qual for o resultado". Tenho dúvidas se era exatamente a isso que os gregos antigos - que forjaram a palavra - chamavam de democracia. Pode-se questionar diversos pontos da Democracia Ateniense e até mesmo apontar que na atual sociedade evoluimos (muito tardiamente) ao abrir poder de voto - e até mesmo de candidatura[1] - às mulheres, negros e demais grupos étnicos, o que não ocorria em Atenas. Mas não podemos negar, em determinado momento da história em Atenas o cidadão comum tinha poder de decisão. Hoje, transferimos - quando não vendemos - esse poder a outrem. Já experenciamos, enquanto sociedade universal, diversas estruturas políticas e sistemas de governo. Mudamos e preferimos um a outro quando mudam os quereres e nossas ideologias de mundo.

Pera aí? Nós (sociedade) mudamos ou somente uma parcela de nós decide o que e como mudar? Acho que essa é a grande questão atualmente (e nem tão atualmente assim). Ultimamente tenho me colocado enquanto indivíduo dentro de um todo maior. Enquanto um ser histórico acima de tudo. Penso nossa sociedade do mesmo modo. Quando a ideologia dos indivíduos de uma sociedade se transforma, tudo o que tange ao seu modo de vida também segue o mesmo rumo. As estruturas políticas, sociais e econômicas, a cultura, a religião, os meios de sobrevivência, subsistência e produção, etc. Mas qual é a nossa ideologia atualmente? É efetivamente o que pensamos e queremos propor para que o mundo melhore ou que outros nos oferecem como proposta de mudança?

Não acho que os políticos de nossa atual sociedade estejam tão errados como costumeiramente bradamos aos quatro ventos. Nós os queremos desse modo. Os queremos inclusive quando afanam parte da riqueza que "produzimos para o país". Os queremos corruptos e, principalmente, corruptíveis. Mesmo os que dizem não querer, querem. Eu sou um destes. Pois é desta forma que nossa sociedade pensa o mundo e já há muito tempo.

Tratemos do hoje, da ordem do dia. Eleições no Brasil. Ano: 2010. Vejamos como se assemelha com tempos anteriores à Cristo. Passados os debates, as campanhas, os santinhos e manobras políticas. O que podemos analisar antes do dia 03 de outubro? Hoje, não transferimos nosso poder de decisão somente aos senhores e senhoras elegantemente trajados e com muita maquiagem sobre a pele. Decidimos a quem transferir por aquilo que nos é vendido destes senhores e senhoras. Assim Collorimos o Brasil, levantamos a mão e elegemos o 'FHC cabra de bem', pusemos o "Lula lá! e os Ramos, Amin, Bornhausen, Berger e o PMDB aqui.

Somente nos é vendido o mais do mesmo. Dilma é a Lula de saia, Serra o FHC careca e insone, Marina aspirante a Obama Tupiniquim com sua "OndaVerdeYesWeCan!”“, e até mesmo o Senhor Arruda Sampaio que com sua fanfarronice pseudo-socialista tenta angariar um público pseudo-intelectual. Os outros? Relegados ao esquecimento da mídia (e das pesquisas), já devem ter esquecido até por que lutam ainda. Não sejamos tolos. Mesmo que o Zé Maria, Rui Costa ou Ivan Pinheiro sejam eleitos e subam ao poder com as melhores das intenções e ideologias, não governará. Será governado. Como somos todos.

A semelhança com os tempos pré-cristãos? É simples. O guru de nossos candidatos e de seus marqueteiros: Alexandre, o Grande. Foi o primeiro a ganhar o apoio de seu povo ao fazer propaganda massiva de si próprio e suas conquistas com a simples idéia de cravar na moeda difundida por todos os seus domínios e em gravuras e esculturas um desenho (melhorado e unificado) de sua face. Com olhar piedoso e pose segura, a partir da imagem ganhou o apoio popular para continuar suas sanguinolentas conquistas. Isso na Macedônia do século V a.C. Assim (e)(in)voluímos até os dias de hoje e de amanhã em direção às urnas com retratos digitalizados e photoshopados.

Diante do exposto, encaminho-me para o fim destas linhas dizendo que o menos importante para nossa atual sociedade é quem chegará ao poder atualmente. Não importa a eleição. Sim quem eles são. Não o que fazem parecer. Serão sempre os mesmos até que mudemos a ponto de um rompimento com o atual modelo (de tudo!). Mas já não penso tal mudança pra mim, nós, os meus ou os seus. Nem pra daqui a quatro ou cinco gerações de nossas famílias. Penso que esta é uma mudança que levará alguns séculos e pode encaminhar o sucesso, desenvolvimento, evolução ou colapso de nossa sociedade. Vai piorar? Talvez. Melhorar? Quem sabe?

Mas como seres históricos, também passa por nós, no presente, tal mudança. A pergunta é: o que fazer pra mudar a partir de agora um futuro distante? Como um grão de sal em um dos oceanos, faço a minha parte abrindo meu voto e dizendo que voto nulo (Já a alguns pleitos). Não por que está na moda e por uma falsa campanha afirmar que poderemos invalidar uma eleição se 50% + 1 também o fizerem. Em nossa atual sociedade isto é impossível social e juridicamente. Voto nulo justamente para que isto vá se tornando um hábito a cada eleição, como um voto de protesto, pra dizer que não concordo com a sociedade que hoje se apresenta (e nem comigo como parte dela). Voto nulo para que a transformação (verdadeira e não a das Dilmas, Angelas, Marinas e Lulas) ocorra em algum momento da história futura. Voto nulo para que aprendamos a ser e não parecer e para que esqueçamos a eleição. Foquemos no que eles (verdadeiramente) são.



[1] Designação romana para as vestes de cor branca/cândida do político que deveria transparecer uma imagem de lisura, retidão e caráter através desta brancura, o candidatum.


Com que roupa - Noel Rosa


terça-feira, 28 de setembro de 2010

Sobre o partir

Tudo o que fazia na vida era esperar. Era seu passatempo favorito, pois sabia que todo tempo que passa é passível de preenchimento. Preenchia o seu com espera e pensava este modo de rechear os momentos como algo que lhe era exclusivo. Então percebeu que não era só em seu banco de espera. Encontrou entre seus pares de preenchimento temporal um que lhe fez não mais lembrar do tempo. Notou que sua presença também provocava a mesma reação em tal par. Decidiram por unirem seus tempos e preencherem-se enfim. Juntos, agora já não ligavam se os tempos eram de sol ou de chuva, de inverno ou verão. Bastava tempo para seus tempos e todo tempo era tempo bom.
Certo dia marcaram um encontro. Um atrasou-se. O outro não esperou que chegasse e partiu. Não mais se viram. Anos mais tarde, o que partiu descobrira que naquele tempo amou. Teve consciência de seu amor e da partida inevitável ao ouvir no rádio uma canção. Em versos simples fez a questão de anos silenciar: "O amor não sabe esperar."

Pedro pedreiro - Chico Buarque


domingo, 26 de setembro de 2010

Concretamente fluvial




Mio de gato preto

do outro lado do rio.

Destilado? Nada!

Cio em silêncio. Vinho no frio.




Socorro - Arnaldo Antunes/Alice Ruiz

sábado, 25 de setembro de 2010

Recuerdos de Tacuarembó

Faltam-me férias. Mas já foram muitas em outrora. Lembro-me nitidamente ainda criança das de verão. Pareciam intermináveis. Intermináveis, coloridas e sonoras. Tudo em minha volta explodia em cores e som. A grama tornava-se ainda mais verde. A cigarra, não contentando-se apenas em cantar, todas as manhãs oferecia um concerto de rock no melhor estilo Rolling Stones. Mas antes que a danada passasse a cobrar ingresso em nosso próprio jardim, papai vinha com a mesma solução todos os anos:
-Vamos para o Uruguai!
E lá íamos nós. Nem Punta del Leste, nem Maldonado. Tacuarembó. Papai gabava-se por esta ser "...a cidade natal de Carlos Gardel!!". Lá descobri que o Tango - produto tipo exportação Argentino - é na verdade uruguaio de quatro costados.
Minhas memórias de infância mais vívidas são tacuaremboenses. Guardo até hoje uma imagem da qual, acredito, não me divorciarei passe o tempo que for. Papai me colocava na garupa de uma bicicleta emprestada. Atravessávamos a ponte sobre o Arroio Tacuarembó e quando esta terminava, entrávamos numa pequena estrada de terra. Escoltados pela vegetação nativa, nos deparávamos ao final da trilha com um casebre de madeira que possuia uma chaminé exalando fumaça e aroma de chá verde.
Quem lá habitava era uma senhora cujo nome nunca soube. Recordo sua veste de todos os anos. Vestido negro com estampa rococó em branco. De sua face pouco guardei. Mas seus cabelos alvos feito algodão causaram-me tamanha impressão que acabei por decorar a posição de cada fio em seu solo capilar. Bem como a disposição das sílabas castelhanas de uma simples frase:
- Después de haber perdido sus manos, ella tocó la almohada.
Não me recordo o contexto e nem quem era ella. Mas posso afirmar com certeza que tal imagem fez de mim eclodir a mais fervente lava que um vulcão já produzira. Céus! Como não ter mãos e ainda assim tocar?! Seria um não ter coração e pulsar. Ter a lua apagada e feito um enamorado distraído, enluarar-se.
Naquele verão fomos embora de Tacuarembó e não mais voltamos. Não, não enjoamos da ponte, da senhora ou do Gardel. Faltam-me férias apenas. Mas não falta-me Tacuarembó. Ela permanece em minhas memórias.
Hoje penso compreender melhor a frase. Para mim o fato de tocar a almofada quando lhe faltaram as mãos tornara ella tão macia quanto a almofada. Transmutou-se ella em almofada. Que sigamos seu rumo. Se faltar pulsação, que viremos coração. Se o luar sucumbir, que nos tornemos lua.

Na redação de volta às aulas pude mostrar à classe o quanto aprendi sobre a ausência. Que mesmo sem mãos, toca-se. Que mesmo sem férias, há Tacuarembó.

Mar e lua - Chico Buarque



quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Pesares e olhares

De tanto andar pelos mesmos lugares todos os dias, meus pés já decoraram por onde ir. Sabem qual a melhor pisada para o pior dos obstáculos urbanos, seja pedra, buraco ou casca de fruta. Serelepes, adoram os dias de chuva intensa e divertem-se com o balé com que riscam o ar ao pularem de poça em poça. São crianças na plenitude da infância (apesar do tamanho 45!).
O que lá em baixo foi automatizado com o passar dos anos e ganho de quilometragem, não ocorre do mesmo modo na chamada janela da alma que em mim se encontra. Por ela nada passa despercebido. Diferentemente de meus pés que estão sempre em luta constante para desprenderem-se de quem os (su)porta e então chegarem logo ao destino, no peitoril de minha janela somente se debruça quem por mim é convidado!
Explico. Quando estou passageiro de meus pés, gosto de trocar olhares com outras pessoas. Não olhares furtivos. Olhares que escancarem verdadeiramente as janelas de nossas almas. Sinto-me mais humano (e menos passageiro) quando tal abertura ocorre. Como quem recebe a visita de alguém no período da tarde, sinto como se uma parte da pessoa que teve indiscretamente sua janela observada, tenha sido deixada em cima da mesa do café próxima à minha janela. Como quem se despede após a visita, não consigo deixá-la sair de mãos abanando e deposito minha parcela de mim ao lado da floreira de sua janela.
Pergunto-me o que acontecerá aos meus pés se alguma destas visitas resolver ficar e juntarmos nossas janelas? Será que continuarão o caminho de sempre ou seguirão por outros menos tortuosos? Bem, que não sejam inconvenientes e saibam tratar bem a visita ao menos...

Lady España - Lucio Godoy