quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Verão (Futuro do presente do indicativo)




ELA - Olha nos meus olhos...


ELE - Pra quê?


ELA - Pra eu ver os teus.


ELE - Os meus o quê, garota? 


ELA - Os teus olhos porra!


ELE - Pra quê?! 


ELA - São a janela da sua alma. Foi você quem falou... Eu acredito! E no mais, já é tempo de eu conhecer a tua alma, tua luz, tua verd...


ELE - Para! Não quero olhar. Chega. Deu. Olha pro mar. É mais bonito, mais amplo...


ELA - Mas já não me surpreende. Teu olhar... Não... Tua alma, ainda que menor deve ser mais colorida, dinâmica. O mar é sempre diferente na sua mesmice. A onda vem, a onda vai, ou vem, morre e vem outra... Sei lá, não importa. Vem cá, olha nos meus olhos..


ELE - Não!


ELA - Por quê?


ELE - Não tem motivo. Só não quero olhar agora...


ELA - Medo.


ELE - Iiiiihhh... Que papinho pra um início de verão hein? Deita aí, curte o sol, o mar... Fica de olho nos corpos suados, nas crianças mijando na água, nos coroas ostentando o barrigão... Se puder e quiser me beija a cada 7 minutos que a vida é tão bela quanto o título daquele filme... Aliás, vencedor do Oscar não?


ELA - Medo.


ELE - Ah, venceu sim! Me lembro do sujeito andando por cima das cadeiras do teatro com cara de trouxa de tanta felici..


ELA - Puro medo.


ELE - Porra... Vai continuar?


ELA - Olha nos meus olhos e eu paro num segundo.


ELE - Se olhar eu paro pra sempre.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

ÓCIO CRIATIVO




domingo, 31 de julho de 2011

GRITO



E esse grito agora?
Na hora do pesadelo me acorda pro sonho.
Ressoa por dentro, é silêncio pra fora.
Faz-se sussurro tão assustador quanto risonho.

E esse grito agora?
Atenção! Há tensão sem som.
Há urgência na demora.
Há o certo, o incerto, o ruim, o bom.

E esse grito agora?
Essa dúvida, essa certeza.
O teu cheiro... Ah! Esse cheiro de amora!
Essa pele que exala a beleza.

E esse grito agora?
Esse grito tímido,
Essa pachorra sem hora,
O meu amor e tremor temido.

E esse grito agora?
Esse rito que me irrita?
Esse que eu abafo em meu travesseiro por ora?
Que de tão silencioso fez-se escrita?

Quer ser berro, ser voz.
Sem erro ser início.
Ser eu, tu, nós
E ecoar nas paredes de um coração-precipício.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

ÚTERO

Baby, o mundo anda crazy
e é muito mais louco
não poder te proteger.

De mãos atadas me ponho acordado
na madrugada errada.
Eu velo teu sono em vão.
Espiono na fresta da porta da vida

que inúmeras vezes explode em minha cara.
Minha cara, mais caro é o preço que pago.
É a praga no trago, a droga, o estrago.
É a vaga indagação de não te apagar em mim.

Baby, eu ando so lazy.
My soul isn't happy.
Meu ócio? Ópio, festim.

Eu ofereço um buquê de mentiras
se me perguntam por ti.
Não tento a verdade, nem acho exagero

sentir a flor do teu útero ser parte de mim.
De minuto em minuto mirim ser quem gosta,
não importa se presta ou se próstata!
Basta a intençao de poder te afagar enfim.


Útero - Mário César

quarta-feira, 22 de junho de 2011

BEATRIZ


Um camarim. Beatriz vivencia seus últimos momentos enquanto atriz. É chegada a hora de “praticar pela vez derradeira a arte de deixar algum lugar sem ter para onde ir”. O desespero de partir, a vontade de ficar, o prazer, a dor, amar. Cantando sua própria história, ela brinca com o tempo ao viajar entre o passado de glórias, o presente de ruptura e o futuro incerto. Personagem e atriz se entrelaçam, estabelecem uma fina fronteira entre a ficção e a realidade. A metateatralidade é evidenciada na relação com todos os elementos que compõem o espetáculo: dramaturgia, cenografia, músicos e espectadores. Em Beatriz, encerram-se outras tantas mulheres que compõem a vasta obra de Chico Buarque de Hollanda e que são o mote para a composição das cenas.


Apresentações nos seguintes dias e horários:


04/07 às 21hs

05/07 às 20h

07/07 às 21h

09/07 às 20:30


Local: Sala Espaço I - CEART/UDESC (Itacorubi) - Entrada Franca.



Abaixo um pequeno trecho do texto que criei para a peça inspirado em canções de Chico Buarque:

Beatriz – Nunca mais... Nunca. Nunca é tarde, nunca é demais para se dizer...(Cantarola.) Nunca mais vai beber minhas lágrimas, não vai não... Ali quem sabe deixei a fatia mais doce da minha vida. Ali, na mesa dos homens de vida vazia. Mas precisava de outra luz, outro foco. Pensava eu que deveria haver algum lugar, um confuso casarão, onde seriam os sonhos reais e a vida não. Sabia que nada é pra já, que não vale à pena se afobar por amor. Afinal, amores serão sempre amáveis! Mas não adiantava. Preferi dar ouvidos ao passarinho que me cantava a vinda de bom tempo. (Muda o tom. Como se pudesse quase tocar o seu amante sem o mesmo estar ali.) Acreditei na ave-oráculo e passei a te buscar. Corria contra o tempo, rodava as horas pra trás, roubava um pouquinho e ajeitava o meu caminho pra encostar no teu. Eu surpreendia o sol antes do sol raiar, saltando noites sem me refazer. Eis que numa delas, pela porta de trás de uma casa vazia e um tanto soturna, tu ingressarias e me verias confusa por te ver. Foi entrando, me iluminando, não iluminando um atalho qualquer. E chegando assim, mil dias antes de me conhecer, passou a ver-me com meus olhos e eu com os teus passei a ver-te. Meu namorado, minha morada.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

POR QUE O MAR TANTO CHORA

COM BASE NO CONTO ABAIXO COMPUS A MÚSICA MAIS ABAIXO AINDA.

Era uma vez uma rainha que estava casada havia muito tempo e nunca tivera um filho. “Meu Deus, permita que eu engravide, nem que seja para dar à luz uma serpente”, ela rezava noite e dia. Até que por fim Deus ouviu sua prece e lhe concedeu uma filha, que nasceu com uma cobra enrolada no pescoço.

A princesinha recebeu o nome de Maria e, assim que aprendeu a falar, chamou a cobra de Dona Labismina. As duas eram grandes amigas. Passeava muito pela praia, nadavam juntas, brincavam. Às vezes Maria deixava Dona Labismina mergulhar sozinha, mas, se ela demorava a voltar, punha-se a chorar em grande aflição.

Um dia a cobra entrou no mar e desapareceu. Antes, porém, disse a princesa que, se estivesse em perigo, bastaria chamá-la.

Anos depois a rainha de um país vizinho adoeceu. Quando estava prestes a morrer, tirou um anel do dedo e o entregou ao rei, seu marido, dizendo-lhe: “Se você se casar de novo, escolha uma princesa em cujo dedo caiba este anel direitinho”.

Tão logo ficou viúvo, o rei, que era um homem velho, feio e rabugento, resolveu procurar uma noiva. Mandou o anel para todas as princesas do mundo experimentarem, e ele não coube em nenhum dedo.

Então descobriu que uma princesa ainda não o experimentara: Maria. Foi visitá-la em seu palácio e sem a menor dificuldade colocou-lhe o anel no dedo. Maria não queria se casar com aquele homem horroroso, mas seus pais exultaram, pois o viúvo era imensamente rico.

O casamento foi marcado para breve. A pobre noiva, desesperada, chorou dias a fio, até que se lembrou do que Dona Labismina lhe dissera ao se despedir. Foi então para a praia, chamou sua fiel amiga e lhe contou o que estava acontecendo. “Não se preocupe”, a cobra falou. “Diga ao rei que só se casara com ele se lhe der um vestido da cor da mata com todas as flores”.

Maria fez exatamente como Dona Labismina lhe recomendou. O velho ficou muito aborrecido, mas como estava encantado com a beleza da noiva, prometeu que lhe daria o tal vestido. Demorou bastante tempo, porém acabou cumprindo a palavra.

“E agora, o que vou fazer?”, a princesa perguntou a cobra. “Diga-lhe que só se casara com ele se lhe der um vestido da cor do mar com todos os peixes”, respondeu a boa amiga.

O rei se aborreceu ainda mais, porém fez de tudo para atender a exigência da noiva. E lá se foi Maria novamente pedir Socorro à Dona Labismina. “Diga-lhe que só se casara com ele se lhe der um vestido da cor do céu com todas as estrelas”, recomendou a cobra.

Ao tomar conhecimento desse novo capricho, o rei ficou terrivelmente irritado, mas, como nas outras vezes, prometeu satisfazê-lo e não deixou de cumprir a promessa.

Desesperada, a princesa correu para a praia, onde sua fiel amiga já a esperava, com um barco a postos. “Fuja, depressa!”, disse-lhe Dona Labismina. “Este barco a levará para um reino distante, onde você se casará com o filho do rei. No dia de seu casamento, vá até a praia e me chame três vezes, para que meu encantamento se rompa e eu também seja princesa.

Maria partiu e, conforme a cobra informara, foi ter a um reino distante. Sem recursos para se manter, dirigiu-se ao palácio e pediu emprego. Encarregaram-na de cuidar do galinheiro.

Pouco depois realizou-se na cidade uma grande festa anual, que durava três dias. A família real e os fidalgos da corte saíram para festejar com o povo. Maria recebeu ordens de ficar com as galinhas, porém, assim que se viu sozinha, pôs seu vestido da cor da mata com todas as flores, pediu a Dona Labismina uma linda carruagem e também foi a festa.

Todas que a viram se maravilharam com sua beleza, principalmente o filho do rei, mas ninguém a reconheceu. Maria se divertiu por algumas horas e voltou para o palácio. Estava em seu carro, toda esfarrapada, quando o príncipe chegou. “Você viu aquela beldade?”, o rapaz perguntou à mãe, ao descer da carruagem. “Não acha que se parecia com a moça que cuida de nosso galinheiro?”. A rainha franziu a testa, surpresa: “Imagine! A moça do galinheiro vive suja e maltrapilha…”.

O príncipe deixou os pais entrarem e foi falar com Maria. “Hoje vi lá na festa uma jovem muito parecida com você…” Corando até a alma, a pobrezinha murmurou: “Por favor, Alteza, não zombe de mim!”.

No dia seguinte, depois que todos saíram, Maria pôs seu vestido da cor do mar com todos os peixes e foi se divertir um pouco. Perdidamente apaixonado, o filho do rei perguntou a uns e outros quem era aquela beleza, mas ninguém soube lhe dizer.

No terceiro dia de festa Maria usou seu vestido da cor do céu com todas as estrelas e, quando ia se retirar, recebeu do príncipe uma jóia.

Encerrados os festejos, o filho do rei caiu numa tristeza de dar pena. Passava o tempo todo na cama, suspirando, e se recusava a comer. Sem saber mais o que fazer, a rainha ordenou a moça do galinheiro que preparasse uma canja suculenta. Maria obedeceu sem pestanejar e, antes de mandar a tigela de canja para o príncipe, colocou dentro o presente que ele lhe dera. Ao tomar a primeira colherada, o rapaz encontrou a jóia e saltou da cama, gritando: “Estou curado! Minha amada é a moça do galinheiro!”.

A rainha chamou Maria, que se apresentou usando o vestido da cor do céu e naquele mesmo dia se casou com o príncipe.

Zonza de felicidade, a jovem se esqueceu de ir até a praia e chamar três vezes por sua fiel amiga. Assim, Dona Labismina nunca se libertou de seu encantamento, e é por isso que o mar tanto chora.

Extraído do livro de Neil Phillip, Volta ao mundo em 52 histórias.


MARACATU DE MAR E MARIA


MARIA DA PRAGA, TUA PAGA RASTEJA,

TEU COLAR DE COBRA, TEU BEM SERPENTEIA

PRECISA É TUA FORMA, PRECIOSA PRINCESA,

SE PREZA NA PROSA, DESPREZA A REALEZA

TEU PREÇO É SER PRESA

TE PESA A LEVEZA

NO PRAZO DO PASSO DA PRESSA


É LAMBISGÓIA, LABISMINA, ESSA MENINA SERPENTINA

LAMPARINA QUE ILUMINA O TEU NINAR

SE É PINEL, FIEL, JIBÓIA, É CASCAVEL, DO ANEL A NÓIA,

DA TRAMÓIA DE VESTIR COM CÉU E MAR

MARIA QUE DISTANCIA TOMARIA

PRA FICAR EM CALMARIA

RESOLVEU SE TRANSFORMAR

NO ATO IMPRIMIU A MATA EM MANTO,

FOI PRO CÉU UM ACALANTO,

MORADIA PARA O MAR


MARIA QUE UM DIA AMARIA,

QUE ALEGRIA RIMARIA

FINALMENTE COM AMAR.

NA DATA ESQUECEU-SE DO CONTRATO,

NÃO COBROU A COBRA O TRATO,

NASCEU O PRANTO DO MAR


Maracatu do mar e Maria - Mário César

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Rimasopomuximebacabazem

Em meados de 2007, eu cursava a sétima fase do curso de Artes Cênicas. Numa das disciplinas (Estágio III) havíamos de ministrar uma oficina de teatro em alguma instituição de ensino regida pela prefeitura municipal. Resolvi me unir à Kamila Debortoli para que oferecêssemos a oficina em dupla. Pautamos nossa oficina com base em experimentos de jogos e técnicas teatrais engendradas pelo encenador, dramaturgo e estudioso do teatro, Augusto Boal, em seu Teatro do Oprimido. Boal era brasileiro. Desses que conquistou mais fama lá do que cá. Foi pra ele que Chico Buarque compôs ao lado de Francis Hime a carta-canção "Meu caro amigo", nos tempos em que Boal "curtia" o exílio no exterior.
Utilizamos ainda três contos do livro Volta ao mundo em 52 histórias de Neil Phillip, para que o grupo de 21 crianças se subdividisse em três, os quais interpretariam as narrativas em sala. Fiquei encarregado de rechear as histórias de elementos sonoros e musicalidade. Num dos exercícios solicitei que, de mãos dadas, fizéssemos uma roda e que partindo de mim e chegando ao último integrante da mesma, cada um falasse uma letra do alfabeto, sendo que para uma consoante, outra vogal. Ao completar o exercício obtemos a palavra RIMASOPOMUXIMEBACABAZEM. Alguns dias depois, inspirado em um dos contos selecionados, na palavra e no processo de trabalho compus a canção homônima.
Hoje, quatro anos após o acontecido, estou bolando um espetáculo de contação de estórias com o nome provisório de Pra relembrar o que não aconteceu. Um dos contos integrantes é o que me inspirou a canção que também fará parte da cena. Abaixo, a letra e a canção.

Rimasopomuximebacabazem - Mário César

Volta, reviravolta o mundo dá

Chance de ser grande o que pequeno está

Saindo do casulo, sendo livre pra voar

Enfrentando problemas que se tem que enfrentar


Transformando a prosa em verso

Nesse mundo controverso

Onde o menor é grande e o pequeno é maior, oiá

Pra que nada nos oprima

Nossa palavra nos aproxima

E começa com rima nossa liberdade, aiê

RIMASOPOMUXIMEBACABAZEM, oiê


segunda-feira, 9 de maio de 2011

Notas?

Farto da falta
me calo na cota
te noto na nota
do afinador

Fardo de falha
me loca na toca
te toco de fato
tô afim na dor

Farda de farpa
me cola no coto
te taco no fogo
e há fina dor

Furto de farsa
me coca no colo
te cato no solo
e afina a dor

Forte na farra
me cuco in loco
te mato na sala
e há fim na dor

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Poema acordado

Em ti aspiro minhas melhores inspirações.
Já não expiro ar senão, sentimento.
Tornei coração meus pulmões.
Te pulso, te respiro, me arrebato e me arrebento.

Por ser mais um em teu humanal.
Por ser nau a partir só e em choro do cais.
Não ter teu colo e ser esse coro de silêncio atonal.
Por ser pouco, poucochinho, nada de mais.

Sem abrigo ou amigo, cá contigo me sonho.
Adentro ralé e a pé os arcos sutis de tua boca,
Me banho folgazão na fímbria de teu olhar tristonho,
Me recomponho ao supor teu grito perene pela voz pouca.

Reclusa entre gracílimas escusas, me recusas.
Tens a hábil certeza daquele que nada sabe.
A inútil fortaleza do que provoca, usa e abusa.
Cá no sonho adormeço para que em verdade ele não desabe.


Paulinho Nogueira - Se Ela Perguntar/Dois Destinos



domingo, 17 de abril de 2011

A cor do conto (ou O homem que sabia Djavanês)

Madurecer a madrugar. Amador ser para acordar.
Meu café, minha fé expressa em nós.
Alvorecer. Foi por um triz entre ceder a dias vis.
Noite ser. Esconder o sol em Paris.

Te sonho contraluz num tom âmbar noir
Você conduz à estrada sai de bar em bar
e se traduz inglesa que é pra disfarçar;
e me seduz discreta pra não me assustar.

Acordo tonto e ébrio de tanto sonhar.
Acordo pronto a ponto de recomeçar.
Acordes em encontro para eu te cantar.
A cor do conto em quadros que você está.

A cor do conto (ou O homem que sabia Djavanês) - Mário César






quarta-feira, 13 de abril de 2011

Soneto "de maior"

Para Ana Paula Beling

Há na vida um dia em que maduros somos?
Não quando queremos. Nem querendo os outros.
Madurar é início. Fim, não. Como nos compomos,
Se em versos algemados ou em acordes soltos.

A alguns enganas com a face menina
E com riso sacana, afanas paixões.
És soberana a estas, levianas àquelas... Que sina!
Porém já todos sabem por tuas ações

Que já não és semente, tampouco membrana
E não há registro geral que negue:
Há muito és fruto e mulher que ama.

És de fibra, talento, quem faz e consegue.
Pretensa palhaça, a voz e já veterana.
Que não cesse. Que assim os anos te carreguem.

28/01/2009.

domingo, 10 de abril de 2011

Baby, isto não é uma carta de amor.


Isso de te ver assim ao longe já não quero.
É bom no começo, para serem os laços criados e os medos emudecidos.
Porém, ao passo que vamos afinando as afinidades o que mais se quer é tocar.
Feito as cordas e o violão. Somente no encontro de ambos faz-se música, toca-se.
É o que nos falta. Encontro.
Em meu eu-violão o tu-encordamento já está posto.
Afinado e a fim de tudo. De ser bossa, blues ou toada. Ora, mas o que nos falta então?
O sentir, o tocar, o humano.
O inalar dos perfumes a entrelaçarem suas notas e fragrâncias no ar, o escutar dos sotaques que se pretendem semelhantes num futuro breve, o adentrar na intimidade alheia através da janela dos olhos, o perceber-se semelhante e diferente querendo no fundo apenas unir-se ao outro.
A alma do violão é o humano. A alma do humano é o outro humano.
O que o move, lança à frente, conduz. O que o toca, o torna música e, em certo aspecto, o torna também violão.
Vinícius já nos descreveu "uma mulher chamada guitarra". Aqui me apresento como possibilidade de "um homem chamado violão". Trocadilhos à parte, é o violão (guitarra) um dos poucos instrumentos que exige ser abraçado, aconchegado e precisa de carinho para se fazer ouvir. O humano necessita do mesmo carinho e do mesmo humano para se fazer feliz.
Temo ter me perdido nas metáforas. Já não sei o que quero com tantas delas. Suponho ter vindo falar do que não quero.
Isso de te ver assim ao longe já não quero. Não.
Feito um espreitador a observar sua vítima ou um policial o seu suspeito? Não quero.
Não sirvo pra vilão, nem você pra mocinha de filme de suspense do Hitchcock.
Não silenciarei a ponto de que não percebas minha presença, nem te gritarei demonstrando desespero.
Agora, fingir te mal querer ou não querer para que percebas o quanto te... ? Não quero!
Sem mais rodeios? Quero a fome de quem bebe, a sede de quem come, a coragem de quem não tem nome. Quero essa simbiose sinestésica simples em toda sua complexidade que um dia atinaram chamar de paixão.
Do "coração do coração", te quero.

Mensagem - Cícero Nunes/Aldo Cabral
Cartas de amor - Álvaro de Campos (Fernando Pessoa). Por Maria Bethânia.




Citações: Cartas de amor. Álvaro de Campos (Fernando Pessoa).
Uma mulher chamada guitarra. Vinícius de Moraes.

domingo, 3 de abril de 2011

A PUTA ADULTA E A MULTA OCULTA

Quando se deu conta que mais um dia passara praticamente improdutivo, antes que o relógio digital virasse o último dos noves de seu ciclo mais ordinário do que ordinal, tomou finalmente uma decisão sensata e fora pra sacada de seu bangalô fumar e beber a última das cervejas. Ao adentrar o "mundo do lá fora", antes mesmo que pudesse acender o cigarro, deparara-se com um velho amigo cruzando a rua. Não se falaram. Naquele momento frustou-se, mais tarde achou melhor. Afinal, a tamanha proporção das resoluções tomadas naquela noite não chegariam a tal porte se intermediadas pelo sentimentalismo embutido em uma velha amizade. Amigo é um ser que pretende o outro imutável para que possam sempre reconhecerem-se mutuamente como quando do primeiro aceno amistoso. Suas resoluções exigiam mudanças. Um amigo não as permite. Pelo menos o tal amigo assim agiria. Preferiu calar a boca com um gole antes que a mesma enunciasse um "oi" automático como tantas vezes o fizera. Acontece que enquanto a cerveja descia rapidamente por entre as entranhas, uma conhecida prostituta do bairro descia lânguida a ladeira que dava de lado para a sacada. Se conheciam da rua desde meninos, mas não eram íntimos. Ele acompanhou a distância e sempre atento as falácias das carolas da igreja, o despertar de sua atual profissão. A menina dispersa e com notas baixas na escola, a adolescente que passou na mão de todos os meninos da quadra (menos por ele), a adulta, a puta. Seu olhar foi a marginalizando com o tempo. Mas naquele momento não poderia fingir não tê-la visto. O cigarro numa mão, a cerveja na outra, a pose descontraída na sacada fora um convite para seus olhares cruzarem-se. Enfim voltaram a se olhar. Não era como nos tempos de criança. A inocência para ambos era uma senhora em fase terminal. Dado o adiantado da hora ela só podia estar na rua a negócios. Ele após esbanjar tanto tempo de seu dia, poderia (re)compensá-lo à noite. Era a oportunidade para que a vida os tornassem íntimos finalmente. No mais, "O que seria a vida senão um 'caminhão de passatempos'?", pensou ele. Então uma cinza caiu. Lembrou do cigarro e o tragou. Ao acompanhar a fumaça de seu peito exalada em direção ao céu, deparou-se com as estrelas. Era o mesmo teto estrelado de quando eram ambos crianças. Os olhares agora desviados , seguiram seu rumo em direção a não-intimidade novamente. A ela restou a cabine escura de um caminhão de passagem pela cidade ou o fracasso de uma noite sem clientes. A ele a certeza da mudança não comentada com o amigo. Já não aguentava o mesmo amigo, a mesma sacada, o mesmo teto estrelado, a mesma puta. Decidiu ir embora. Sem trocar mais palavra alguma com o amigo, nem olhares com a velha meretriz. Deu-se conta que estava ele em todos os lugares da cidade, mas a cidade já não estava nele. Deu o derradeiro gole na cerveja, desceu da sacada e esperou à beira da estrada o próximo "caminhão de passatempos" que o levasse à cidade mais distante dali. Trôpego, não enxergara bem sob a luz da madrugada e ao invés do "caminhão de passatempos", acabou embarcando no "caminhão das ilusões". Ao se dar conta - já durante o dia - virou-se para si mesmo e perguntou: "No fim da estória, quem é a puta afinal?"

Sentado à beira do caminho - Erasmo Carlos e Roberto Carlos

sábado, 26 de março de 2011

TER TU E TER

Ah esse desejo de te ver!
Te ter, te ler, te querer só pra mim.
Imprime alento ao meu viver e eu penso em te
reescrever pra te reter em meu nanquim.

Rimar teu eu com o meu, juntar os lápis enfim.
Sem borracha, sem rachar, sem graça ou vergonha na cara.

Cá do canto em canto desencanto, eu desando,
eu tenho andado caçando um bocado, um pecado, um dado teu.
Cara a cara, a caráter ou caracteres,
se mulher me feres, me malmequeres, eu só quero te querer.

E ter tu.
E ter tu.
E ter tu e ter...


Inspirada nas grandes canções melancólicas de antigamente.

Ter tu e ter - Mário César

segunda-feira, 7 de março de 2011

O LIVRO DAS (DUAS) FACES

Ando às voltas com a criação novamente. Desta vez um roteiro cinematográfico. De temática romântica, ainda não decidi a qual gênero pertencerá. Vejamos. Drama romântico? Já criei uma trilogia destes. Remakes estão descartados. No mais, me renderiam no máximo alguma exibição apenas aos sábados à tarde. Não. Preciso de algo mais leve pra não cair na rotina. Uma comédia romântica seria arriscar demais? Tá certo que amor quando levado muito a sério tende a ficar burocrático e dá sono. Também é verdade que a risibilidade dá ao amor contornos agradáveis e que o amar bem-humorado rende ótimas lembranças em flashback. Mas explorar a condição flatulante da mocinha ou uma contusão durante o ato sexual não seria um certo exagero? Romance policial. Cenas calientes, beirando o sado-masoquismo, submissão e outras mais. Uma pitada de loucura, sessões de análise, alguns tiros, cicatrizes, possíveis cenas de luta... Acabo de lembrar. Minha última tentativa nesse ramo rendeu-me um assento no banco dos réus. Melhor não. Quem sabe deixar de lado a questão de gênero nesse momento seja um modo de esfriar a cabeça. Pensemos acerca da duração. Curta-metragem: Somente contemplaria um fato, passagem ou faria um resumo assimmeioenpassant de um caso de final de semana ou final de balada. É melhor que um vídeo cômico postado no YouTube, mas ainda não o suficiente pra minha prolixidade em termos de roteiro. Média-metragem: Apenas estenderia o caso de um final de semana pra um amor de verão. Cá pra nós, de romances medíocres o cinema está cheio (não me refiro aos que se desdobram na sala às escuras). Longa-metragem: Abre a possibilidade de um desenvolvimento mais orgânico do roteiro. Poderia conter um prólogo, divisão por capítulos e, ainda que tivesse um final, um epílogo sempre seria bem-vindo. A questão é que mesmo o epílogo tem seu fim. Os créditos que contemplam a ficha técnica tem também. Meu roteiro descarta, por ora, a necessidade de um final por ele imposto. Analisando por este ângulo e voltando a questão do gênero não seria de todo ruim uma cinebiografia romântica. Será que alguém já tentou algo nessa linha? Não importa. Cinebiografias teimam em ultraromantizarem uma história - ainda que já sejam românticas - e estão sempre em busca de um martir ou herói. Preciso de algo mais realístico. Algo que transforme amor platônico em fato, que não seja tão sério como um drama, tão patético como uma comédia, que flerte um pouco com a fantasia mas não tão alienador e que seja um registro fiel às memórias (sejam elas boas ou não). Algo como um documento que não precisa ser carimbado e que não soe como pacto. Um documento? Um documentário! Que não necessite de final, pra dar um tom ainda mais original às cenas. Que dispense grandes elencos tomando-o como opção. Que me tenha como personagem. Porque não? Seremos eu, a câmera e uma boa história. Por ser um documentário-romance (ou romance-documentado?) preciso de um par romântico pra começar a arquiterar o roteiro. É isso. Começo daqui.

(Quarto de casa. Luz acesa. Madrugada. Ao som de um soft rock ele busca inspriração para seu mais novo romance. Ou melhor, documentário-romance. Coloca algumas idéias na tela de um computador. Bebe um gole do café já frio. Perpassa os olhos na TV que transmite seu seriado favorito em modo mudo pra não concorrer com a música. Volta a olhar o computador. www.umaredesocialfamosa.com, login, senha. Vê no site a foto de uma mulher que lhe chama atenção. Mensagem instantânea. Marcam um encontro. Chaves do carro numa mão, câmera na outra. Sai apressado deixando tudo pra trás. Os atores do seriado clamando voz, os músicos silêncio, o café ser sorvido...

America - Tin Man


sábado, 26 de fevereiro de 2011

Em busca de um teatro rico

Clique na imagem para ampliá-la.

No palco é a porção ator do artista que fica em evidência. Mas neste espetáculo Evandro Linhares e eu "jogamos nas onze". Direção, atuação, dramaturgia e, até mesmo, concepção do material gráfico. Em cena o que se observa é um espetáculo metateatral, que desvela os bastidores do teatro contemporâneo em tom parodístico e (quase) debochado. Em palavras menos rebuscadas: é comédia mesmo!
O enredo é o simples. Dois atores de uma companhia teatral desconhecida descobrem que há uma premiação em dinheiro para a montagem de um novo espetáculo. O melhor projeto ficará com a bolada. A partir de então, colocam como metas para suas carreiras encenarem o grande espetáculo de suas vidas, deixarem seus nomes marcados na história e enriquecerem fazendo teatro. Só há um problema: o prazo para inscrição do projeto se encerra no dia seguinte e não possuem a mínima idéia do que podem fazer. Desesperados, passam a experimentar diversas formas de montagem do espetáculo e a enfrentarem os mais inusitados problemas aos olhos do público. Conseguirão eles vencer a batalha contra o tempo e a falta de idéias?
A denominação do espetáculo - Em busca de um teatro rico - é uma corruptela do título de um dos mais importantes escritos acerca do teatro no século XX realizado pelo encenador polonês Jerzy Grotowski (1933 - 1999), o cara do cartaz. Seu livro se chama Em busca de um teatro pobre. Longe de ser uma crítica ao seu trabalho é, na verdade, mais uma das ironias a que o grupo se propõe a fazer sempre no intuito de gerar uma reflexão sobre alguns dogmas criados pelo teatro contemporâneo. Além de ser uma grande brincadeira e até mesmo uma homenagem a este pouco conhecido artista que - como poderá ser observado em cena - influencia o trabalho do grupo.


Em busca de um teatro rico
Quando: 14/03/2011 às 20hs.
Onde: Sala Espaço I (Prédio de Artes Cênicas do Centro de Artes da UDESC)
Endereço: Av. Madre Benvenutta, 1907. Itacorubi - Florianópolis - SC.
Informações: 48.9903-1880 (Evandro)
Entrada franca.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

CicATRIZ

Não há cicatriz sem ferimento. A pele em fibrose exige que um corte a preceda. Venho aprendendo sobre o assunto entre (re)talhos e entalhes desde o primeiro ar por mim inspirado. É certo que o mesmo provocara-me dor, espanto, choro. É também provável que, através deste, acreditaram-me saudável apesar de minutos antes me içarem a ferro, fogo e fórceps das entranhas em que eu bravamente resistia em deixar, mais por antever piores feridas ao longo da existência, do que por serem as tais uma pátria-mãe aconchegante; ou qualquer outro destes sentimentos patrióticos comuns àquela época. Meu querer sucumbiu ao de todos. Estava eu (quase)saudável e livre! Ou seria o doutor cumpridor de seu dever e mamãe a serem livres a partir de então...? De certo mesmo, só cicatrizes. Em mamãe e em mim, no doutor não. São tantas as chagas que, ao ligar-se uma a uma feito pontos é bem possível que se pinte um esboço de Guernica sobre minha pele. Decorei a posição de cada uma delas, bem como o proceder após nova ferida: 1) Não se censura o sangue. A hemorragia é necessária. 2) Lavar com água arde, passar Merthiolate dizem que não mais e o soro fisiológico é gélido. 3) Não se estanca o todo ferido com pó de café. Este só ameniza parte do problema. 4) À amputação não bastam os pontos fracos, somente os fortes ou os grampos cirúrgicos. 5) Os anti-corpos prevalecem! 6) Mesmo seguindo as anteriores, a dor dói. Bom mesmo é não se ferir. Porém pr'a essa lição o ensino não é público. Pior, é a vida - dita privada - implacável ao cobrar a mensalidade. Eu que não pago o seu preço acostumei a conviver com as feridas que, como previsto pelo meu eu-neném, só tenderiam a aumentar. Aumentaram. Tanto, que hoje somente meu corpo não basta para abrigá-las. Foi preciso que as feridas e sua família de cicatrizes migrassem de mãos dadas e em peso para a minh'alma. Lá ninguém alcança. Nem eu, nem você, nem o médico de mamãe. Os procedimentos supracitados já não funcionam, fazendo com que o sangue não estanque e que as cicatrizes tornem-se quelóides e que, cá entre nós, para poupar-lhes este nome pouco aprazível passei a chamar apenas de saudade.


Pedaço de mim - Chico Buarque


Àquela que há um ano brilha no meu palco-coração. Se hoje num exílio forçado, haverá um tempo em que (re)unidos seremos. Felicitações pequena!

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Sou nós

Resultado da parceria virtual com Maria Carol Muller.

Sou nós. Ambos sorrisos lágrimas e destino incerto.
Você, porque o cheiro é parecido em si comigo.

Mas só às vezes me permito a ser contigo parecido.
Não liga não, é que eu gosto de ser eu sem medo.
É segredo que eu simplesmente desintegro em matéria de sedução.
Que seja mútuo enquanto dure por que o plano muda. Não é eterno o meu coração.

Sou qualquer folha planando.
Sou a tal nuvem passando.
Carrego chuva, caio feito luva,
Seja fértil o teu chão ou não.

Sonho somas de sombra e bocas.
Corpos marcam a grama do jardim.
Eu não me rendo, mas não aprendo.
Não gira o mundo só porque eu desejo e fim.

Traga do teu porto um vinho seco, um cigarro e me espere na cama.
Já que eu não durmo a tempos, fiquemos a sós, desatemos os nós, vós, tu, eu, eles, mim.
Quando o clima aquece esquece, não basta salvar nem dez mil amazônias.
Pra regular o calor, traga gelo e amor, e então que deus salve a insônia.


Sou nós - Maria Carol Muller/Mário César


P.S.: Abstraiam a péssima gravação. :D

domingo, 30 de janeiro de 2011

(Be)atriz²

Trecho do texto teatral (Be)atriz², o qual realizei a dramaturgia livremente inspirado na obra de Chico Buarque de Hollanda. Estréia prevista para junho de 2011 em Florianópolis.

(Be)atriz – Nunca mais... Nunca. Nunca é tarde, nunca é demais para se dizer... (Cantarola.) Nunca mais vai beber minhas lágrimas, não vai não... Ali quem sabe deixei a fatia mais doce da minha vida. Ali, na mesa dos homens de vida vazia. Mas precisava de outra luz, outro foco. Pensava eu que deveria haver algum lugar, um confuso casarão, onde seriam os sonhos reais e a vida não. Sabia que nada é pra já, que não vale à pena se afobar por amor. Afinal, amores serão sempre amáveis! Mas não adiantava. Preferi dar ouvidos ao passarinho que me cantava a vinda de bom tempo. (Muda o tom. Como se pudesse quase tocar o seu amante sem o mesmo estar ali.) Acreditei na ave-oráculo e passei a te buscar. Corria contra o tempo, rodava as horas pra trás, roubava um pouquinho e ajeitava o meu caminho pra encostar no teu. Eu surpreendia o sol antes do sol raiar, saltando noites sem me refazer. Eis que numa delas, pela porta de trás de uma casa vazia e um tanto soturna, tu ingressarias e me verias confusa por te ver. Foi entrando, me iluminando, não iluminando um atalho sequer. E chegando assim, mil dias antes de me conhecer, passou a ver-me com meus olhos e eu com os teus passei a ver-te. Meu namorado, minha morada.


A história de Lily Braun - Edu Lobo e Chico Buarque