domingo, 17 de fevereiro de 2013

Servidão


A janela do meu quarto
dá pros lados de um beco
sem saída
com entrada
pro futuro
para os músicos
que carregam em suas costas
instrumentos, acordes e sonhos

piso em seus paralelepípedos
almejando que notas musicais
libertem-se
da pedra
da sujeira
da imobilidade
das cores mórbidas
do horror do trabalho forçado
de ser para sempre e apenas, chão

mas todo dia ignoram-me
toco apenas o silêncio
aprendo que, na verdade, as pedras
é que me tocam,
castigam,
ríspidas, impiedosas
forçam-me os joelhos
trazendo a dor em uma bandeja
operárias da morte
como tudo e todos
conduzindo ao grande templo rosa
onde acotuvelam-se Mozart, Bach e Vivaldi

numa madrugada qualquer
eu ainda dou o troco neste beco metido
tomarei todos os tragos
com o dinheiro dos amigos
e numa das quatro estações
entediado e bêbado
tombo sem noção de equilíbrio
e miro um novo projeto de existência
serei eu também o chão

e, juro a estas pedras safadas
se só então fizerem música
eu de propósito - e puto
vou cagá-las com o meu sangue
pra provar a diferença
entre o homem e a matéria
humanos,
mesmo imóveis,
vingam-se

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Ímpar


       Do alto de seus três anos, já ensinara mais a ele que qualquer catedrático. É por ela, e somente por ela, que angaria forças para levar uma vida mais salutar (ou menos degradante). Depois que seus olhos finalmente a encontraram, passou a associar qualquer aspecto mundano - perigos, alegrias, clima, economia - à sua existência. Por esta razão, o noticiário dia após dia parece configurar um verdadeiro instrumento de preocupação e paranoia crônica àquele que outrora era tão somente um esboço de artista decadente. Sente-se hoje como um jovem senhor que olha por todos os retrovisores da vida antevendo catástrofes a fim de protegê-la. Frustra-se por não ser um herói da DC Comics que breca meteoritos, terroristas locais ou mesmo ícones de poder em sua proteção e honra. Teme que os anos de separação forçada matem o amor dela por ele. Ainda que algo no seu baú de pensamentos revirados pareça lhe sugerir o contrário. Que em breve a menina lhe ensinará a mexer na então mais recente maravilha tecnológica. Teme ainda mais os que dele a privam em nome da boa vontade. Sabe que, como dito numa paráfrase à Blaise Pascal: "Nunca se faz tão perfeitamente o mal como quando se faz de boa vontade”. Porém não é o cunho pessoal, social, político ou jurídico que o preocupa neste caso. É uma questão que pertence apenas ao campo da saudade. Nada nostálgica e que beira quase a um novo tipo de sentimento. Uma saudade do futuro ou de um tempo suspenso no tempo. Tempo em que ouviria a recente vozinha balbuciar seu envelhecido nome. Em que um corriqueiro calor febril o desmontaria. Um lindo sorriso desdentado iluminaria um dia ruim. A dor e a delícia do tempo é que sempre há tempo. Em que passando trará novas emoções, saudades e descobertas e que, em cada uma delas, sempre se reconhecerá naquele rosto feminino. Assim, o aniversário é uma boa data. A cada novo giro em torno de seu Sol ela abre portas para se tornar uma grande mulher. E ele, a cada ano pega carona no crescimento pessoal dela para se tornar um homem melhor. Seja na sua atual ausência ou em pretensa presença. Tudo é tempo. Que revelará se ele será forte ou fraco, covarde ou corajoso, paciente ou cruel. E se ela, carinhosa ou indiferente, passional ou prudente, consciente ou alienada. Por ora, resta-lhe desejar que o mundo revele-se colorido, brincante e inofensivo, que a saúde esteja forte, a beleza infinita e que a festa – da qual ele talvez nunca seja convidado – seja doce e boa! Que o capítulo três seja tão ímpar quanto ela.

Para meu amor maior, Manu. Parabéns!